Empatia, um exercício diário de humanidade
Muito já foi dito, mas acho que ainda vale a pena falar um pouco mais…
Você pode não ter assistido a cerimônia do Oscar, mas certamente já ouviu falar do ocorrido através de amigos ou de redes sociais. Para esclarecer os fatos eu vou resumir em poucas palavras: um comediante que se acha engraçado, usufruiu do direito de usar uma doença autoimune para arrancar gargalhadas de um público apático na cerimônia mais importante do cinema mundial, a entrega do Oscar americano.
Digo apático, porque se o público que ouviu a piada desferida contra a mulher que sofre de queda de cabelo por uma doença autoimune que destrói os folículos pilosos da cabeça e do corpo tivesse sido empático como foi o seu marido, teriam todos se levantado e vaiado Chris Rock. Logo ele, que ficou famoso por seu seriado “Todo mundo odeia o Chris” cujo personagem principal ( que é ele mesmo) sofre bullying durante toda juventude por ser um negro em escola de brancos na década de 80. Rotulado de pobre e burro na série, Chris teve que superar seu estigma e mostrar durante toda a vida para o que veio. Ator brilhante, roteirista talentoso, caiu na própria armadilha de usar do humor para lidar com um assunto tão delicado, que é a própria condição, seja ela de caráter patológico, como a doença de Jada Smith, ou étnico como dele próprio.
Estou fazendo aqui um exercício de empatia com o apresentador, que vivenciou o preconceito na pele e superou ( ou não) através do humor.
Não creio que ele esteja certo, assim como também não está certo o marido ferido que usou de violência para defender a mulher, porém, o que me deixa indignada é que toda a plateia riu da piada infeliz proferida pelo apresentador. Estamos tão acostumados a vivenciar o estigma de sermos diferentes, que rirmos da nossa própria sorte se tornou um hábito.
Eu, como médica dermatologista, que trato de afecções dos cabelos, como a que acomete a atriz americana, sei o quanto sofre uma pessoa com distúrbios capilares, afinal, ter cabelo é ter o poder de manifestar através deles nossa atitude frente ao mundo. O fato de Jada Smith raspar a cabeça e exibir sua doença sem tentar escondê-la por baixo de uma peruca, já demonstra sua força.
Jada foi sem dúvida, a pessoa mais atingida por esse episódio, mas do alto de sua beleza exuberante, deu um tapa na cara de toda plateia que pateticamente riu com a piada de Cris Rock, através do seu sorriso de enfado.
É mundo, temos muito ainda o que aprender com essa linda mulher exercitando empatia, um hábito diário de humanidade.